estômago

Subiu os três lances de escadas com a bicicleta ao ombro, o suor escorria-lhe pela fronte, pingando pelo tapete da entrada. Descalçou-se sem desatar os nós e depois descolou a roupa pegada à pele, refrescando-se rapidamente com um duche de água fria. Sentou-se exausto no fundo onde o esmalte ia sendo arrancado à superfície da banheira, pelo corpo corriam-lhe gotas apressadas que se uniam no precipício do ralo. Fechou os olhos, no andar de baixo discutiam, e se não fosse o rádio alto do vizinho maneta, quase que podia ouvir o mesmo de sempre.
O estômago roncou, tão alto que se calaram no segundo, de olhos postos no tecto faziam as pazes por respeito. No apartamento do lado, o velhote baixava o volume do rádio e vinha à janela ver o que se passava. Não tinha almoçado, aguentara o dia com uma carcaça branca barrada com manteiga e um café. Enrolou uma toalha ruça pela ilharga e abriu o frigorífico.
Desde março que a lâmpada estava fundida, mas como se atrasava sempre no pagamento da renda, e a senhoria era compreensiva, pensou ele mesmo comprar e trocar, mas só quando abria o frigorífico é que se lembrava. A ideia desaparecia assim que fechava a porta, porque durante o dia nem lhe fazia grande diferença, e mesmo à noite não era grave, às apalpadelas dava com a garrafa de água reenchida da torneira a refrescar no compartimento da porta.

Havia uma lata de cerveja, ainda presa ao anel de plástico da embalagem de seis. Meteu uma refeição congelada no forno, lavou um talher e ligou a tv. “…austeridade empurra por ano mais de 100 mil pessoas para fora do país em busca de melhores condições de vida.” O estômago voltou a roncar.

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