decíduo


Todos os anos, em meados do mês de março, tinha o hábito de anunciar a meio de qualquer conversa, que a prima estaria para chegar, e todas as vezes conseguia a mesma pergunta: qual prima? Ao que ele respondia, mal contendo um sorriso, a Vera…! Qual Vera? agitava-se a minha avó, caindo sempre na esparrela. 
Por essa altura também, estação dedicada a grandes limpezas e arejo das roupas lá em casa, a minha avó encontrou escondido por cima do guarda-fatos, uma lista. O meu avô tinha falecido no último inverno, depois de uma renhida luta com a doença. No fim já pouco sorria, sabia que não chegaria a ver o cerquinho com nova folhagem, ninguém anunciaria a chegada da prima, aquele comboio parava por ali. Exausto baixou os braços, arrumou as luvas e despediu-se com relutância. 
A lista ficou por lá, não muito tempo, um pequeno pedaço de papel escrito pelo seu punho, onde deixou registado todos os livros que havia emprestado. Porque para ele não havia maior tesouro que os livros, estimados, folheados, absorvidos na curta existência, sim, que a vida era uma dádiva, como se fossemos leões livres na savana, e as árvores tratava como amigos. 


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