ninfas

Desceram das gravuras que cobriam as paredes bolorentas, de tinta parda descascada e cheiro bafiento, estalando com risos cristalinos o silêncio das vozes adormecidas. A janela aberta era mais uma tela na parede, iluminada de anúncios e néon, rica em cheiros das chaminés próximas que despertavam frituras e pão fresco, óleo rançoso e descargas de esgotos. Um bafo quente e pestilento em pleno inverno, a boca escancarada de um dragão sem dentes.

O dia estaria prestes a nascer, e por detrás dos montes o sol descobriria olisipo entorpecida, tal como ela era, cinzenta e em avançado estado de putrefacção, sem a maquilhagem colorida com que saia todas as noites. Uma puta velha! No horizonte já quase não se viam as verdejantes colinas, ofuscadas por edifícios cada vez mais altos, espelhados de tédio, fartos de sacrifícios humanos. Mas elas sabiam-nas lá, ao longe, menos verdes, onde os riachos eram pobres em vida, alimentados das chuvas que lavavam a atmosfera poluída e quando caídas, acidificavam os leitos.

Nasceram muito antes das cidades, exaladas dos troncos dos carvalhos, criadas nas entranhas escuras das cavernas ou por entre os seixos dos rios, quando o tempo era só tempo, e o inverno frio.
Aproximaram-se do homem que sonhava no bailique estreito, rodeando-o nuas no sono profundo e tranquilo. A mais destemida de todas, a que havia capturado o belo companheiro de Hércules na pintura de John William Waterhouse , ergueu o lençol puído que o cobria, e todas riram pela rijeza viril que começava a despontar. Todas excepto a ninfa surpreendida da gravura de Edouard Manet, que cruzando o indicador nos lábios ordenou que se calassem, tapando de novo o homem que acordava.
Sem se moverem, ansiavam arrepiadas que abrisse os olhos, encavalitando-se umas nas outras no pequeno quarto alugado, seios espevitados, ventres trementes, húmidas de desejo pelo mortal que as mantinha em cativeiro.
Nas paredes decadentes, imóveis jaziam os sátiros, centauros, Silenius e Hilas na borda do rio.


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