meiguices

Atravessou as inúmeras divisórias como fazia num dia qualquer, cumprimentando à medida que passava com o habitual “bom dia” distribuído equitativamente pelos colegas, segurando o sorriso amarelo até ao cubículo onde desaparecia, para só voltar a ser visto à hora do almoço, distribuindo da mesma forma “boa tarde”, segurando o mesmíssimo tom enjoado nos lábios. Não suportava as conversas de circunstância, não tinha paciência nem tempo para esbanjar com o que ele considerava de gentinha, onde incluía, grosso modo, os colegas, vizinhos e grande parte da família, em especial o lado paterno. Eventualmente surgiam excepções, e a mulher que nunca queria que o amanhã chegasse era uma dessas raras pessoas que conseguia extrair um sorriso sincero ao homem que ansiava fechar os olhos e acordar uma semana depois.
Bizarra combinação.
Fora ela que sugerira a massagem como presente de aniversário, e se antes já via nela algo mais que uma “pessoinha”, agora que ali estava deitado de bruços mal segurando a saliva na boca, achava que realmente ela era um ser excepcional, e que tinha de a compensar de algum modo por aquela brilhante ideia.
Nada tinha acontecido como previra, assim que a porta do lado norte do estreito patamar do oitavo andar, se abriu, uma senhora que teria sensivelmente a sua idade convidou-o a entrar, usando mais gestos que palavras, mas de um jeito muito tranquilo e pacífico, até diria hipnotizante. Irradiava de forma estranha uma luz, um calor, mas talvez fosse por ser loira, e simultaneamente a pele ser muito branca, mas um branco bonito, não o tom pálido do homem que ansiava constantemente o futuro.
A porta de entrada abria para um hall estreito mas comprido que servia todas as divisões do apartamento. Estava levemente iluminado com candeeiros espalhados, tornando o ambiente acolhedor e simultaneamente intimo, perfumado com chá e flores que decoravam um dos cantos. Entraram numa sala com vista para a rua, dominada por uma grande secretária com duas cadeiras, e nas paredes posters de corpos ou partes, vistos de frente ou de dorso, legendados numa língua estranha.
Lá fora as pessoas moviam-se como insectos mudos, tinha parado de chover.


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