rociar

O homem que ansiava fechar os olhos e acordar uma semana depois, aparava as unhas rente à carne, empilhando num montículo simétrico as pontas córneas encurvadas. Sentia o suor aflorar-lhe em cada círculo da impressão digital, pressionando com extremo cuidado para os dedos não fugirem. Quando terminou o mindinho da mão direita, tinha a testa coberta de pequenas gotículas suspensas que limpou à manga curta esbambeada da camisa, unindo por aderência os noventa por cento de algodão e outra fibra qualquer, ensopando o tecido. Olhou-se ao espelho e pareceu mais pálido do que o habitual, efeito da ausência da barba escura atapetando o rosto esbranquiçado, onde sobressaia o ponto de sangue seco no canto da boca, e as olheiras caídas dos olhos, assombrando ainda mais a sua figura.
Precisava comprar lâminas novas, ou acabaria por cortar não só o canto da boca, mas todo o rosto da próxima vez que resolvesse revogar a barba. Também precisava de dormir, mas isso não podia incluir na lista de compras, se fosse assim tão simples já teria feito um desvio pelo supermercado.


"Man in a boat" de Ron Mueck

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