bocejo



um dia desce sobre o outro, igual em todos os gestos. 
assim que fecha a porta, pisa um calcanhar de cada vez sem deslaçar os atacadores. 
sobre as costas da cadeira deixa cair o casaco, e no balcão da cozinha o saco do supermercado. 
volta depois aliviado, o rosto ainda a pingar para separar calmamente o que pertence ao frio. 
perdeu pelo caminho o apetite, caminhando os olhos pelo pavimento. 
imagina triste a banda sonora que passava se a sua vida fosse um filme. mas não se decide pelo género. 
perde todos os dias alguma coisa, ontem foi a memória de um beijo junto a um riacho. 

e os gestos repetem-se 

num streap tease mal iluminado em frente à máquina de lavar, desabotoa a camisa pelo fim, até chegar ao botão que nunca aperta, repara como é igual aos outros, no entanto não tem qualquer utilidade. 
seguem-se as meias, primazia ao pé esquerdo, atiradas sem dó para o tambor. 
dos bolsos despeja os trocos e todo o lixo que a maré arrastou, antes de pendurar as calças no puxador, pendendo ruidosa a fivela do cinto. 
e então vai bocejando, nu até à cama, na boca o sabor entorpecido. 
não há tapetes neste chão frio, nem retratos de férias nas paredes.




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